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Antártica 

Viagem ao continente branco

Crédito: Rodrigo Leitão

Aula em alto mar

Durante o cruzeiro são realizadas várias palestras sobre os principais temas antárticos - fauna e flora. O líder da expedição é o experiente biólogo Michel Sallaberry, curador de ornitologia do Museu Nacional de História Natural do
Chile e professor titular da Universidade do Chile. Investiga
as populações de pinguins migratórios na Antártica desde 1978. Dave Burkitt trabalhou na marinha britânica por 12 anos e realizou em 1970 a primeira expedição - de quatro meses - na ilha Elefante. Dedicou os últimos 30 anos à Antártica e chegou a passar dois invernos na ilha Geórgia do Sul. Hoje, trabalha na restauração de Port Lackroy, na ilha Wiencke. Rudolf Thomann é doutor em biologia, formado pela Universidade de Ciências Naturais de Hamburgo. É membro da Organização de Meio Ambiente do Chile desde 1983.
Já fez quatro expedições à Antártica.

 

Informações: Climb Expedições (www.climbexpedicoes.com.br)

Antes de relatar a viagem mais emocionante da minha vida, é bom ressaltar que os cientistas já detectaram descongelamento no continente Antártico. E caso a Antártica realmente descongele, o nível dos mares subirá algo em torno de 60 metros, o que significa que o planeta tem grandes chances de desaparecer do universo. Por isso, precisamos tomar todos os cuidados para que o continente branco permaneça como está, e isso só depende das nossas atitudes para com o meio ambiente. Nós somos os responsáveis pela sua manutenção

Texto e fotos Nilton Pavin

 

A viagem começou com o embarque para a base militar chilena Tenente Marsh, na ilha Rei Jorge, na Antártica. No saguão do aeroporto Carlos Ibáñez del Campo, em Punta Arenas, a última cidade do Chile, 43 pessoas – entre jornalistas, pesquisadores e cientistas – de vários países aguardavam, ansiosas, a liberação para embarcar no primeiro voo comercial rumo ao continente branco. Enquanto o pequeno Devilland 7, com capacidade para 46 pessoas, recebia os últimos procedimentos de segurança na pista, os olhares dos passageiros se cruzavam na sala de embarque.

A ansiedade e o nervosismo se justificavam: as condições climáticas naquela região variam em questão de minutos. O último boletim meteorológico, recebido na noite anterior, previa tempo bom, ou seja, tínhamos condições de embarcar. Então, por que o atrasado de quase 30 minutos? Michel Sallaberry Ayerza, biólogo e líder da expedição, conversava com o piloto da aeronave, enquanto os demais membros da equipe trocavam ideias com os funcionários da companhia aérea. O motivo do atraso: excesso de peso! O piloto argumentava que, por questões de segurança, não levantaria voo enquanto o problema não fosse resolvido. Fomos orientados na reunião da noite anterior a levar apenas 15 quilos por passageiro. Depois de mais alguns minutos, o problema foi solucionado: retiraram algumas malas e estávamos liberados para o embarque.

 

Icebergs à vista.

Depois de duas horas e meia de voo, surgiram os primeiros icebergs. 
O movimento para conseguir um lugar próximo à janela foi inevitável.
Mais uma hora de voo e recebemos o aviso de afivelar os
cintos para o pouso. Para a maioria dos passageiros, como eu, era a primeira vez que pisávamos em território antártico. 

Após o desembarque, seguimos para a base chilena Eduardo Frei (62° 12'S e 058° 57'O), onde fomos recepcionados pelo pessoal que lá trabalha. Construída entre 1969 e 1980, ela é mantida pela Força Aérea do Chile e tem como principal objetivo coletar informações meteorológicas e ajudar na coordenação dos diferentes programas científicos do Instituto Antártico Chileno, mantidos pelo governo. Tem capacidade de abrigar até 100 pessoas, fora a população local. Esta é a única pista de aterrissagem no continente antártico, usada também pelo Brasil para desembarcar o pessoal da Estação Comandante Ferraz.

Michel me conta que ela foi ampliada recentemente para receber aviões de maior envergadura. Próximas à base, encontram-se as estações científicas Bellingshausen, da Rússia, as bases da China, da Coreia do Sul e do Uruguai. Depois do desembarque, seguimos em direção aos botes que nos levaram para o navio russo Grigoriy Mikheev. Zarpamos rumo ao sul da península, em direção a Hannah Point, na ilha Livingston, onde se encontra uma das maiores concentrações de pinguins da região. O local foi descoberto pelo navegante inglês Hannah, natural de Liverpool, em 1858.

A bordo do Grigoriy, recebemos as instruções de segurança em caso de acidentes no navio e como seriam feitos os desembarques. As palestras foram ministradas pelo inglês Dave Burkitt, um veterano na Antártica, profundo conhecedor de montanhismo e perito em neve. Ele participou da marinha britânica por 12 anos e fez sua primeira expedição na ilha Elefante, em 1970. "Dediquei os últimos 30 anos de minha vida à Antártica. Passei dois invernos na ilha Georgia do Sul e me dedico atualmente à restauração de Port Lockroy para transformá-lo em um centro permanente de visitação. Foi lá que conheci o Amyr Klink", diz Dave. Depois do almoço, fomos informados que o desembarque seria feito em 30 minutos. Fui à minha cabine para me preparar: camiseta dry, duas camadas de roupa e anorake; para a parte de baixo, salopete (uma espécie de jardineira feita do mesmo material do anorake). Para proteger os pés, meias finas, meias grossas por cima e bota de borracha (cano alto). Na cabeça, gorro, óculos escuros; nas mãos, luvas grossas. Para o rosto, protetor solar e creme para os lábios. Estamos no verão e a temperatura oscila entre zero e -2°C.

Neste mesmo dia, constatei por que se deve adotar todos os procedimentos de segurança: quando venta, a sensação térmica pode chegar a -15°C. Desembarcamos com céu azul, mas depois de alguns minutos, começou a ventar e, em seguida, a nevar. Dave me lembrou que é nesta hora que ocorrem os acidentes. "Muita gente desconhece o terreno e não sabe
andar na neve. O problema é que em uma eventual queda – em uma
fenda, por exemplo – podem acontecer fraturas e um pedido de socorro não será ouvido por causa do vento"
, esclarece. (Antes de voltarmos ao Brasil, no final da viagem, ocorreu um grave acidente com um pesquisador coreano, que infelizmente faleceu).

Em Hannah Point (62° 39'S e 060° 37'O), sob a orientação do biólogo Rudolf Thomann, pude identificar e registrar pinguins Antárticos e Papua, raças endêmicas. Ao andar em direção ao interior da ilha, encontramos muitos pinguins Macaroni, descobertos por pesquisadores italianos. Zarpamos e continuamos viagem rumo ao sul pelo estreito de Bransfield. O mar calmo, recheado de imensos blocos azuis-escuros com as pontas brancas, lembra o solo lunar. Próxima parada: ilha Aitcho (62° 24'S e 059° 47'O). Trata-se de uma ilhota localizada na entrada norte do Estreito Inglês, nas ilhas Shetlands do Sul. Mais uma vez, fomos recepcionados por um bando de pinguins (Papua e Antártico). No céu, petréis gigantes, entre outras aves marítimas, observavam nossos passos na ilha.

 

Estações baleeiras

Na parte da tarde, planejamos um desembarque em uma antiga base baleeira, localizada no interior de uma cratera vulcânica em forma de ferradura, na ilha Decepcion (62° 57'S e 60° 38'O). Para chegar até ela, navegamos pelo Porto Foster, atravessamos um passo entre montanhas enormes conhecido como Anéis de Netuno e chegamos finalmente à cratera. O vulcão tem cerca de 650 m de altura e 12 quilômetros de diâmetro. As gigantescas ossadas e os restos de embarcações encontrados na praia são os tristes sinais do trabalho executado pelos noruegueses até o final da década de 1960, quando milhares de baleias foram abatidas. Aqui também foi refúgio de uma antiga estação inglesa, centro administrativo das atividades das estações baleeiras britânicas, correio e a central de comunicações telegráficas. Em 1967, uma erupção dizimou os habitantes e soterrou parte das rústicas instalações. Hoje, a lembrança do vulcão pode ser sentida nas águas quentes que brotam na praia. As formações rochosas no interior da cratera e ao redor também me remetem à superfície da lua. O silêncio quase absoluto e a fumaça que emana das águas térmicas conferem ao local uma paisagem surrealista. É quase impossível acreditar que esta região fora uma densa floresta há 230 milhões de anos. Os primeiros vestígios de plantas foram encontrados pelo geólogo Hartley Ferrar, que participou da expedição de Robert Scott, em 1901. A herança inglesa está presente em várias ilhas, uma prova do poderio naval britânico.

Em Porto Lockroy, na ilha Wiencke (64° 50'S e 63° 31'O), também funcionou uma estação baleeira. Em 1944, os britânicos resolveram estabelecer aqui a Base A, com o objetivo de prestar apoio aos trabalhos geológicos e geográficos realizados nos arredores. Hoje a estação foi restaurada pelo UK Antartic Heritage Trust.

 

Sol à meia-noite

Outro lugar que me reportou às paisagens lunares foi a Bahía Paraíso. A bordo de um bote navegamos entre centenas de icebergs de vários formatos, tamanhos e diferentes tonalidades de azul. Nosso barco passava tão próximo destas formações que era possível ver em detalhes estas rochas geladas que foram esculpidas ao longo de milhares de anos pela ação do vento e da água.Na parte da tarde visitamos a base militar chilena Gabriel González Videla (64° 49'S e 62° 42'O). Aqui se encontra uma enorme e interessante população de pinguins Papua albinos. Nesta região também estão as estações de pesquisas Almirante Brown, da Argentina e a americana, Palmer. À noite e em plena luz do sol, seguimos em direção ao ponto mais ao sul da viagem. Durante o verão antártico, o sol não se põe completamente. Depois da meia-noite, o céu ganha uma tonalidade dourada e esta luz tênue reflete nos icebergs, criando um ambiente simplesmente fantástico. Pela manhã, atravessamos o Canal Lemaire e aportamos na ilha Petermann, ponto mais ao sul da nossa expedição (65° 10'S e 64° 10'O). A região é composta por gigantescos blocos de granito, muitos deles cobertos por neve e imensas colônias de pinguins Papua e Adelie. Na volta, paramos na ilha Cuverville (64° 41'S e 62° 38'O), descoberta pelo navegador belga Adrien de Gerlach, em 1897. Visitamos também a ilha Half Moon (62° 36'S e 59° 55'O), localizada entre as ilhas Greenwich e Livingston, onde há uma das maiores colônias de pinguins Antárticos.

 

Mar de Drake

Nossa última parada no continente antártico, antes do desembarque na base chilena Tenente Marsh, foi na estação polonesa Henry Arctowski. Inaugurada em 1977, tem a reputação de ser uma das estações científicas mais simpáticas da Antártica. Fomos recepcionados com generosas latas de cerveja, café e bolo de chocolate. Na volta ao Grigoriy, o capitão me convidou para retornar junto com a tripulação. Prontamente aceitei o convite e partimos rumo à Ushuaia, na Argentina. Eu sabia que o maior desafio da viagem seria atravessar o mar de Drake. E realmente foi. Após sair da península, o mar tranquilo se transformou em gigantescas ondas vindas de todas as direções. O Grigoriy foi castigado por vagalhões descomunais e era constantemente varrido pela água gelada. Esta impiedosa tormenta nos castigou durante 34 horas. Tempo suficiente para eu tentar descobrir como os navegadores do passado se protegiam destas tempestades sem os recursos tecnológicos disponíveis hoje. Certamente o corsário inglês

Francis Drake foi um exímio navegador ou teve muita sorte. Mais dois

dias de viagem com mar de almirante e aportamos em Ushuaia,

na Argentina. Além da emoção de ter vencido o Drake, para mim, fazer

parte do seleto grupo de pessoas que conhecem a Antártica, foi a maior conquista da minha vida profissional.

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